O Juiz sentado ao lado do policial morreu no local, o escrivão (de blusa preta) e a testemunha de frente para o bandido, foram baleadas. Ilustração de Ana Caroline Dutra). Por Paulo César Dutra (Cesinha)
O fato se deu em 1932, durante o sumário de culpa de um soldado. O magistrado já havia aberto onze processos e condenações de policias delinquentes, em apenas dois meses na cidade.
No dia 1º de fevereiro de 1932, há 88 anos, a cidade de Afonso Cláudio foi surpreendida pela atitude do soldado da Polícia Militar , Joaquim Rosa, que estava sendo investigado, pois havia matado outro militar. Ele de arma em punho, invadiu a sala de audiência do fórum para executar a principal testemunha de acusação, José Lamas D’Ávila e o juiz de direito de Afonso Cláudio, Atahualpa Lessa, que poderia condená-lo. O então interventor do Espírito Santo, João Punaro Bley, determinou as investigações, que nunca chegaram ao mandantes do crime. O juiz morreu na hora e a testemunha horas depois no hospital da cidade.
Naquele dia, na cidade, logo após a tragédia, todos queriam saber como o criminoso estava armado, se havia tanta segurança no fórum? Como fora permitido um acusado penetrar a sala das audiências do juízo, armado de revólver. A resposta nunca foi dada para a população de Afonso Cláudio. Muito tempo depois do crime, soube-se apenas, que o sargento encarregado da segurança, que revistou Joaquim Rosa, não encontrou a arma usada no crime.
Jornalista e poeta, desde os tempos acadêmicos, Atahualpa Lessa tomara parte destacada no movimento intelectual do país, ora colaborando em revistas e jornais, ora dirigindo-os e fundando-os, sempre cheio de entusiasmo pelas belas letras. Estava com 29 anos de idade, quando terminou o Curso Jurídico, na cidade do Rio de Janeiro, em 1928. Em 25 de setembro de 1929, casou-se com Dona Heloisa Bellas, com quem teve duas filhas. Dois anos depois de formado, já residia no estado do Espírito Santo. Ele exerceu o cargo de promotor de Itaguaçu e de Vitória, e também as funções de presidente do tribunal do júri de Vitória, em cujo meio forense deixou as melhores relações. Ele foi nomeado juiz de direito para a comarca de Afonso Cláudio em 7 fevereiro de 1931.
Em 27 de novembro de 1930, o juiz escreveu a um amigo residente na Capital Federal (Rio de Janeiro) relatando seus feitos na comarca de Afonso Cláudio, mostrando nitidamente que razões não faltavam para o seu assassinato. Dizia ele: “Ainda ontem recebi um telegrama desaforado do comandante da polícia. Aqui em minha comarca, a polícia, em lugar de manter a ordem, pinta os caramujos... Em dois meses, condenei o delegado de polícia, um subdelegado, um sargento de polícia, um cabo (duas vezes) e cinco soldados. Estou processando um ex-delegado de polícia por crime de morte, praticado dentro da cidade, quando no exercício do cargo.”
A morte do juiz Lessa deflagrou acusações e incertezas no governo de João Punaro Bley, dada as circunstâncias da execução do magistrado, feita por um membro da corporação militar.
O jornal Correio da Manhã do Rio de Janeiro afirmou que existiam razões fortíssimas para se acreditar que o bárbaro crime não tivesse surpreendido os meios oficiais de Vitória, onde o juiz Atahulpa Lessa, como outros magistrados do Estado, por ser de uma personalidade de alta independência e de moralidade, não gozava de simpatias. Após enterrar o marido no cemitério de Santo Antônio, em Vitória, a viúva do juiz retirou-se para o Rio de Janeiro.
Crime e Sumário
Em dezembro de 1931, em uma diligência para a Justiça de Afonso Cláudio, o cabo Gildário foi assassinado em uma emboscada. Instaurado o processo respectivo, nele apareceu como um dos culpados o soldado Joaquim Rosa, sendo que uma das testemunhas, José Lamas D’Ávila confirmava o nome do autor do crime. Conhecido pelos seus péssimos antecedentes, Joaquim passou a ser investigado pela Justiça. De posse de todas as informações necessárias, o promotor de Afonso Cláudio, Fernando Lindenberg, denunciou Joaquim, que teve sumário de acusação marcado para o dia 1º de fevereiro de 1932.
Naquele dia, o trabalho do sumário seguia normalmente, quando o soldado que aguardava o momento de prestar seu depoimento, conseguiu burlar a segurança e entrou na sala de audiências com uma pistola, engatilhada, avançando para a testemunha, José Lamas, que não teve tempo, sequer, de esboçar um movimento de defesa, sendo ferido gravemente. O juiz e o escrivão Constantino Sá levantaram tentado conter o criminoso, quando foram alvejados também.
O juiz foi atingido com um tiro na cabeça e morreu na hora. A testemunha ficou gravemente ferida, tendo sido socorrida e levada para o hospital da cidade, onde morreu horas depois. Um soldado que tentou auxiliar às autoridades, também ferido foi ferido em uma das mãos e o escrivão, Constantino Sá, ficou levemente ferido. O assassino nunca mais foi localizado.
Assim se pronunciou o jornal A Noite Ilustrada: “A irreflexão de um indivíduo acusado, mas para o qual ainda não se haviam tornado inúteis os recursos das leis e trancado todas as portas dos tribunais, armou a mão homicida que fez tombar uma inteligência em pleno esplendor, um magistrado integérrimo no início de uma carreira brilhante e um esposo e pai dedicado, cujo lar, há pouco construíra com tantas esperanças e animados pelos carinhos da companheira e os encantos da filhinha, ora se desmorona, num momento, sobre o negror do luto e a angústia das lágrimas.”
O juiz Lessa – O nome Atahualpa, possivelmente teve inspiração no grande soberano inca que viveu entre 1502 a 1533, que curiosamente teve o mesmo tempo de vida que o juiz Lessa. Este líder indígena teve a morte engendrada por um poderoso da época, o conquistador espanhol, Francisco Pizarro.
Dr. Atahualpa Lessa fora nomeado juiz de direito para a comarca de Afonso Cláudio em 7 fevereiro de 1931. Antes havia exercido o cargo de promotor de Itaguaçu e da capital, tendo também exercido as funções de presidente do tribunal do júri de Vitória, em cujo meio forense deixou as melhores relações.
Contava 29 anos de idade, e terminara o curso jurídico, na capital carioca, em 1928.
Há pouco mais de dois anos residia no estado do Espírito Santo e nesse período já se havia imposto ao conceito público, como uma autoridade de rara retidão no cumprimento dos seus deveres. Era senhor de grande cultura e, sobretudo ressaltavam a sua bondade e o seu modo amável de a todos tratar com gentileza.
Jornalista e poeta, desde os tempos acadêmicos, Atahualpa Lessa tomara parte destacada no movimento intelectual do país, ora colaborando em revistas e jornais, ora dirigindo-os e fundando-os, sempre cheio de entusiasmo pelas belas letras.
Em 25 de setembro de 1929, casou-se com Dona Heloisa Bellas, deixando órfã uma filhinha de quase dois anos, chamada Marina, estando sua esposa as vésperas do segundo parto.
A notícia de semelhante tragédia causou na cidade, na capital e em todo estado profunda consternação.
Providências do governo do estado – Imediatamente o governo tomou as urgentes medidas que o caso exigia, por intermédio do secretário do interior, mandando a Afonso Cláudio o tenente-coronel Carlos Marciano de Medeiros, comandante do regimento policial, o segundo delegado auxiliar, Dr. Zaluar Dias e os médicos Drs. Mario Casanova e Solon Gomes, sendo enviado um reforço de praças.
Como o criminoso estava armado? – Ao correr a notícia do doloroso acontecimento, uma das interrogações de quantos a ouviam era como fora permitido um acusado penetrar a sala das audiências do juízo, armado de revólver. O sargento encarregado do destacamento passou a necessária revista em Joaquim Rosa, tomando-lhe um revólver. O criminoso, premeditada e precavidamente, levara duas armas, sendo uma delas em lugar que não pode ser lobrigado (visto) pelo soldado que o revistou. Joaquim Rosa conseguiu, assim, burlar a vigilância e satisfazer os seus perversos intuitos.
Morre mais um ferido – Após ter sido atendido e encaminhado aos cuidados médicos, faleceu José Lamas D’Ávila, horas depois do ocorrido, às vinte horas do dia 1º de fevereiro. A vítima era irmão da professora Augusta Lamas D’Ávila e primo da esposa do prefeito, Adherbal Galvão.
O corpo do Dr. Atahualpa Lessa – O interventor João Punaro Bley pediu permissão à viúva para que o corpo do seu amado esposo fosse levado para a capital do estado. Para esse fim seguiu para Afonso Cláudio uma ambulância do departamento de saúde pública.
Quando a ambulância que levava o corpo do falecido à capital chegou à Santa Leopoldina, partiu de Vitória uma comitiva ao encontro do cortejo fúnebre, em Cariacica, composta pelos seguintes senhores: capitão João Punaro Bley, interventor federal no estado; Dr. Affonso Corrêa Lyrio, secretário do interior; Dr. João Manoel de Carvalho, secretário da instrução e sua esposa; Dr. Augusto Seabra Moniz, secretário da agricultura; desembargador Oscar Faria Santos, presidente do Tribunal Superior de Justiça; Dr. Gilson Mendonça, procurador geral do estado; tenente Wolmar Carneiro da Cunha, secretário da interventoria; tenentes Nicanor Paiva e Otto Netto, ajudantes de ordens da interventoria e da secretaria do interior; Dr. Antonio Athayde e Anísio Fernandes Coelho, membros do conselho consultivo; Dr. Octávio Lemgruber, juiz de direito da 3ª vara da capital; dr Álvaro Mello, diretor do departamento de saúde pública; tenente-coronel Arsênio Nóbrega, chefe do serviço de recrutamento; Heliomar Carneiro da Cunha, delegado fiscal; Dr. Américo de Oliveira, inspetor sanitário; Drs. Ayres Xavier, Antonio Honório, delegado de ordem social; Fernando Medeiros e Azevedo Pio, jornalistas e muitas outras pessoas.
A partida de Afonso Cláudio – Por volta das oito horas do dia 2 de fevereiro, partiu de Afonso Cláudio o cortejo fúnebre composto de dezenas de automóveis.
A população em peso assistiu àquela despedida do seu magistrado, vítima no cumprimento dos seus deveres. As cenas que se sucediam comoviam até às lagrimas. Todas as classes sociais sem distinção de partido político ou religião, seguiram para o local de onde partiu a ambulância com os despojos do Dr. Atahualpa Lessa.
A viúva, senhora Heloisa Lessa, seguiu em automóvel, em companhia da primeira dama Afonso-Claudense, senhora Arnóbia Lamas Galvão e do Dr. Danton Bastos, até a vila de Cariacica, onde se passou para o automóvel do secretário da instrução do estado e sua esposa.
Também seguiram na comitiva os senhores Adherbal Galvão, prefeito municipal; Dr. Fernando Monteiro Lindenberg, promotor público da comarca; e os advogados Drs. Álvaro Castello e Eurico Aguiar.
Em Figueira de Santa Joana (Itarana) – Centenas de pessoas idas de Itaguaçu e circunvizinhanças aguardavam em Figueira de Santa Joana a passagem da comitiva fúnebre que seguia em direção a Vitória. Aí o Dr. Luiz Moreira de Araujo, promotor público da comarca, proferiu um discurso deixando a homenagem do povo itaguaçuense ao falecido.
Em Santa Teresa – A população da cidade prestou ao Dr. Atahualpa Lessa, significativa homenagem, aguardando no local da passagem do cortejo.
O pessoal do foro depositou sobre o ataúde um ramalhete de flores naturais. Acompanhou o cortejo até as divisas do município o prefeito local, Vicente Costa.
Em Santa Teresa uniram-se ao cortejo inúmeras autoridades locais que seguiram até a capital.
Em Santa Leopoldina – Nesta cidade também se uniu ao cortejo uma comitiva que rumou com o falecido até Vitória.
Em Cariacica o cortejo encontrou as lideranças estaduais. A passagem da comitiva pela cidade teve grande participação popular.
Na capital – O cortejo chegou às dezoito e trinta na capital do estado, depois de mais de dez horas de viagem. Causando muita comoção pelas ruas da capital nas grandes aglomerações de pessoas que aguardavam a passagem.
Muitos automóveis de particulares uniram-se aos da comitiva e atrás dos veículos a multidão compacta se movia, em direção ao fórum, onde o corpo seria exposto para visitação.
Quando o cortejo chegou ao fórum, pegaram nas alças do caixão para transportá-lo os Srs. Punaro Bley, interventor federal, o desembargador presidente do Tibunal de Justiça, Anísio Fernandes Coelho e o procurador geral do estado, Altivo Paula e Silva.
O corpo[3] do falecido magistrado ficou em exposição no edifício do fórum cujo salão principal fora previamente transformado em câmara mortuária.
Durante a solenidade fúnebre desfilaram pelos corredores do referido edifício milhares de pessoas de todas as classes sociais, vendo-se entre elas o interventor federal Punnaro Bley, altas autoridades civis e militares e grande número de famílias.
O enterro – O enterro do Dr. Atahualpa Lessa foi efetuado no dia 3 de fevereiro, na necrópole de .
Santo Antonio
Era desejo do governo do estado e da viúva que o cadáver fosse para o estado do Rio, onde a família Lessa residia. A viúva, porém, pediu que não mais tocassem nos despojos do seu esposo, conformando-se em que o enterro fosse feito em Vitória.
No cemitério fizeram uso da palavra diversos oradores, salientando-se o Dr. Oscar Faria Santos, presidente do Tribunal de Justiça do Estado; e Drs. Fernando Rabello e Aluízio Menezes.
Às dez horas da manhã do dia 3 de fevereiro o padre Luiz Cláudio de Freitas Rosa (sobrinho do desembargador Afonso Cláudio) procedeu à recomendação do corpo.
Às dez horas e trinta minutos o corpo seguiu para o cemitério. Pegaram nas alças do caixão o Sr. interventor federal, capitão João Punaro Bley; o desembargador Oscar Faria Santos, presidente do Tribunal Superior de Justiça; Dr. Affonso Corrêa Lyrio, secretário do interior; Dr. Gilson Mendonça, procurador geral do estado; Dr. Octávio de Carvalho Lemgruber, juiz de direito da terceira vara da capital e Dr. Danton Bastos, juiz de direito.
Organizado o cortejo, este rumou para a ladeira Maria Ortiz, em direção à Praça Oito de Setembro, onde se achavam o carro fúnebre, grande número de automóveis e vários bondes especiais, sendo estes tomados pela multidão.
O funeral do juiz de Afonso Cláudio foi um dos mais concorridos da capital.
A morte do Dr. Atahualpa Lessa deflagrou acusações e incertezas no governo interventor capixaba, colocando até mesmo a cabeça do interventor João Punaro Bley a prêmio, dada as circunstâncias da morte do juiz Lessa, causada por um membro da corporação militar no interior de um fórum. As explorações políticas sobre o caso foram inevitáveis por parte dos adversários do governo.
Desdobramentos – O estúpido assassinato do juiz de direito da comarca de Afonso Cláudio, cometido em plena audiência, quando o magistrado procedia a um sumário de culpa, crime de uma incrível barbaridade, foi praticado por um policial militar, precisamente o criminoso que respondia ao sumário presidido pelo juiz, que acabou por ser mais uma vítima do seu trabuco, estranhamente conservado em seu bolso.
O jornal Correio da Manhã[4] do Rio de Janeiro afirmou que existiam razões fortíssimas para se acreditar que o bárbaro crime não tivesse surpreendido os meios oficiais de Vitória, onde o Dr. Atahulpa Lessa, como outros juízes do estado, por ser de uma personalidade de alta independência e de moralidade, não gozava de simpatias, antes experimentava as consequências de covarde perseguição, motivada pelo numeroso bando que obedecia as ordens do Sr. Affonso Lyrio.
Em 27 de novembro de 1930, o Dr. Atahualpa Lessa escreveu a um amigo residente na capital federal relatando seus feitos na comarca de Afonso Cláudio, mostrando nitidamente que razões não faltavam para o seu assassinato.
Dizia ele: “Ainda ontem recebi um telegrama desaforado do comandante da polícia. Aqui em minha comarca, a polícia, em lugar de manter a ordem, pinta os caramujos... Em dois meses, condenei o delegado de polícia, um subdelegado, um sargento de polícia, um cabo (duas vezes) e cinco soldados. Estou processando um ex-delegado de polícia por crime de morte, praticado dentro da cidade, quando no exercício do cargo.”
Onze processos e condenações de policias delinquentes, em apenas dois meses.
“Confrontando-se essa aterradora estatística com o ‘telegrama desaforado do comandante da polícia’, fica-se a conjecturar sobre a triste situação em que se encontrava o escrupuloso juiz, entregue à própria sorte, no mais doloroso e absoluto desamparo pessoal, sujeito, em suma, a todas as surpresas e sortidas insólitas do banditismo local, exercido, como se vê iniludivelmente pela própria polícia.”
O Diário Carioca[5] informou que por ocasião da cerimônia fúnebre, verificou-se um incidente entre o Dr. Fernando Lindenberg, promotor público de Afonso Cláudio, e o interventor Bley, por ter aquele magistrado feito acusação ao comandante de polícia do estado.
O promotor Lindenberg foi, em 5 de fevereiro, exonerado de seu cargo. O governo também mandou suspender o jornal A Frente.
Após enterrar o marido a viúva do juiz assassinado retirou-se para o Rio de Janeiro