A Defensoria Pública defende, na ação, que o artigo 28 da lei 11.343 viola os princípios constitucionais da garantia da intimidade, vida privada, da honra e da autodeterminação, presentes no artigo 5º da Constituição Federal."O argumento é de que não cabe ao Estado a questão da autolesão. A ação está dizendo que a lei restringe em grau máximo a garantia da vida privada, quando reprime-se uma conduta que é uma autolesão. Ou seja, eu não poderia ser punido por um prejuízo que causo somente a mim mesmo", explica Ladislau Porto, advogado da Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes da Canabis Medicinal (Apepi), uma das instituições brasileiras que hoje lutam pela descriminalização da maconha.
O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, concordou com a tese de inconstitucionalidade e, inclusive, foi além da maconha, ao dizer que a tese valeria para qualquer substância. Em seguida, votaram os ministros Luis Barroso e Edson Fachn, também favoráveis à inconstitucionalidade do artigo.
Barroso foi o único ministro que chegou a estabelecer uma proposta de limite para diferenciação de quantidade que seria considerada como tráfico: 25 gramas. Abaixo disso, o caso seria de consumo pessoal. Essa é a regra que vale em Portugal e que serviu de inspiração para o ministro. Já Fachin, apesar de concordar com a inconstitucionalidade, afirmou que as regras deveriam ser feitas pelo Congresso Nacional.
O quarto a votar seria o ministro Teori Zavascki, mas ele pediu vistas do processo, o que interrompeu o julgamento. Em janeiro de 2017, Zavascki faleceu em um acidente aéreo.Substituto de Zavascki no STF, o ministro Alexandre de Moraes passou a ser o responsável pelo destravamento da ação.
No final de 2018, ele liberou o processo, o que significa que agora o presidente do STF tem a prerrogativa para pautar o julgamento, o que não ocorreu durante a gestão de Dias Toffoli. E o presidente atual, ministro Luiz Fux, não deu sinais de que irá liberar a pauta tão cedo.
Caso os ministros do STF concordem com a tese da Defensoria Pública, o artigo 28 da Lei Antidrogas passa a ser inconstitucional e, consequentemente, torna-se liberado, a princípio, o porte pessoal da maconha. O julgamento tem efeito erga omnes, ou seja, é de repercussão geral. Isso significa que todas as pessoas que hoje respondem por causa da tipificação do artigo 28 terão seus processos extintos. Mas isso não quer dizer que a venda de maconha será autorizada, o que muda é que, com a decisão, pessoas não poderiam mais ser criminalizadas caso sejam flagradas com a droga para uso pessoal.
A depender da votação, considerando a posição do relator Gilmar Mendes, é possível que a tese valha para qualquer tipo de substância. Mas o advogado Ladislau Porto lembra que ainda não há como ter certeza se o STF definiria uma quantidade específica como regra para que se diferencia consumo pessoal de tráfico.
"A questão da quantidade ainda é muito obscura, porque a lei não diferencia. Ela não cita quantidade, cita intenção, o que diferenciaria tráfico do consumo. O melhor seria temos uma lei nova, porque por enquanto continuaria uma interpretação subjetiva, que muitas vezes recai no racismo. A lei cita as "circunstâncias do fato", como forma de classificação como tráfico, como analisar o local em que a pessoa estava e sua condição social", explicou o especialista.
Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei nº 399, de 2015, que visa a autorizar o cultivo da erva, para fins medicinais, veterinários e cosméticos. Mas, por enquanto, associações e entidades que lutam pela descriminalização da maconha vêm recorrendo a liminares judiciais para que não sejam processados pela Lei Antidrogas, é o caso da Apepi, que obteve autorização para que seus associados cultivem, manipulem e distribuam a planta entre eles, para fins medicinais ou terapêuticos.
"Há pelo menos outras dez associações que já conseguiram liminares. Acho que a melhor forma de pressionar o judiciário é a sociedade demandar sobre o tema. Na nossa ação, dizemos que a lei é inconstitucional, porque ela fere o direito à saúde, à vida, e à dignidade", explicou Ladislau Porto.