27/09/2019 às 20h40min - Atualizada em 27/09/2019 às 20h40min

Medo da Chuva. Enchente de 1979 até hoje assusta colatinenses

Calamidades e Desastres Que Abalaram Colatina

- Nilo Tardin
Foto Gava -In Memorian
O tempo fechou naquela época. Choveu sem parar  durante 35 dias seguidos no Vale do Rio Doce entre os meses de janeiro e fevereiro de 1979.

Quarenta anos depois, o reflexo da maior enchente do Espírito Santo ainda permanece vivo na mente de quem viveu o dilúvio do Rio Doce.  Basta a tempestade trovoar no horizonte e os sobreviventes acendem a luz  do medo de nova enxurrada.  

Agora o atual cenário do Doce é desértico em Colatina. Colossais bancos de areia estrangulam canais do rio à beira da extinção.

O aguaceiro provocou 74 mortes, deixou 100 mil desabrigados. Danificou mais de 5 mil residências nas cidades capixabas e mineiras inundadas até a tampa. A repercussão do desastre alcançou dimensão mundial. A circulação de vagões de passageiros e  minério na Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) ficou paralisada.  O prejuízo geral até hoje é incalculável.

A vazão destruidora do Rio Doce de proporções vulcânicas atingiu 12.860 metros cúbicos de água por segundo, na medida do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O tsunami de água doce arrasou que o vinha pela frente.

Após a tormenta, o lamaçal soterrou parte de  Baixo Guandu, Colatina e Linhares. A vizinha Aimorés (MG) foi devastada pela cheia sanguinária. Em Colatina, sem água encanada, luz elétrica e estoque de alimentos no fim,  o pico da inundação se deu no dia 3 de fevereiro, conforme relatório do Grupo Interministerial de Controle de Enchentes do Rio Doce.

Nesse momento, o rio subiu de repente. Ai foi tudo de água abaixo. A magnitude da catástrofe jogou as cartas na mesa. A comunicação era precária. O tumulto tomou conta da cidade.  Relatos apontam de tiros na madrugada contra saqueadores.
 
Para entupir mais ainda a situação, os velhos telefones de disco ficaram caladões, isolando comunidades inteiras no meio ao caos. Daí o rádio de pilha foi à salvação.

Das cabines de emissoras, os locutores faziam a ponte entre vilas, povoados e cidades. Alertavam sobre  as chuvas, uniam as famílias das vítimas separadas pela muralha d’água.  O radialista Carlos Cavalvante foi o último a deixar o prédio da Rádio Difusora de Colatina nos momentos mais dramáticos da cidade.

“Sai com água pelo pescoço. Escorava nas paredes dos prédios até alcançar local seguro. Ficava no estúdio passando informações vindas das emissoras mineiras. Dava informações aos familiares no interior completamente ilhado. Seu Geraldo Pereira (in memorian) dono da Difusora mandou sair porque o rio ia subir mais. Dali pra frente a rádio ficou fora do ar mais de mês”, recorda. Detalhe. Cavalcante não sabe nadar.

Famoso pelas buzinadas e batidas de panela na madrugada, o radialista José de Almeida teve de deixar a Difusora de canoa. “Era por volta das 10 horas. A água ocupava os degraus no alto da escadaria. Passou um barco. Pulei dentro. A onda sacolejou a canoa, bateu numa pedra. O remo caiu dentro de’água começou rodar.  Gritei: é agora que nós vamos embora. Num golpe de sorte o barqueiro recuperou o remo
 Saímos suando frio daquela enrascada”, revelou as gargalhadas 40 anos depois do aperto mortal no rio doce.
 
Enchente deu início ao movimento ambiental colatinense

Já o professor Altair Malacarne descansava no povoado de Santana, em Conceição da Barra, balneário do norte capixaba quando veio o alarme: sua cidade está debaixo d’água.

“Vim de carona até João Neiva. Segui de ônibus. Quando avistei o rio parecia um mar furioso querendo dominar  humilhar o agora vale de lágrimas. Mais parecia uma cena escatológica. Em Colatina Velha peguei uma canoa. Passar de canoa em plena Avenida Getúlio Vargas de Colatina foi uma experiência tão inesperada quanto inesquecível. Lembrei-me de Veneza. Desciam boiando botinas, bujões, botijões e poltronas velhas. O colega Kleber Bussinger já tinha trazido pra cima todos os livros. O resto perdi, mas era resto. A primeira noite dormimos no imóvel; um rato de esgoto veio morder meu pé.  Na praça da igreja católica havia um telefone de emergência. Nilson Ricarto dava notícias sobre as toras de madeiras da Serraria Barbados arrastadas pelas águas. No outro dia, aquela maré doce começou a baixar. Como funcionário eu fui contemplado com generoso abono financeiro doado pelo Banco do Brasil",
 narrou Altair.

Os rádios- amadores tiveram atuação heróica no esforço de levar informação além da divisa entre ES e MG.

A proporção do desastre deu início ao movimento ambiental em Colatina. Como disse o professor Altair Malacarne “como sempre ocorre, a enchente foi um mal que veio para o bem”.

A vanguarda política colatinense abriu os olhos para a questão vital a sobrevivência planetária. O equilíbrio entre a economia e recursos naturais. A balança continua desequilibrada.  A Caminho do Centenário em 2021, a dura lição criou mecanismos como o Sistema de Alertas Contra Enchentes do Rio Doce, operado de Belo Horizonte (MG).



 

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