Tinha acabado de ser contratado pelo Jornal A Gazeta, após estágio de quatro meses. Ainda me adaptava à realidade de assalariado, com três pautas diárias a cumprir. Sobre Jornalismo, sabia muito pouco.
A Editoria de Esportes ficava entre as do Caderno Dois e de Polícia. O contraste era delicioso, autêntico bálsamo para curioso como eu.
Já estava indo embora quando Lobão tentava entrar na sede da Rede Gazeta. Lutava para convencer o segurança da guarita para, pelo menos, pisar na parte interna do terreno e ir até a portaria.
Alegava que iria conceder entrevista.
O rapaz telefonou assustado, com toda a razão. O Grande Lobo estava com algemas em um dos pulsos. É que depois que foi preso pela primeira vez, como ato de rebeldia, passou a andar assim.
Pelo menos durante uns 60 dias. Se bem me lembro.
Cabeludo, camisa preta, bermuda cinza escuro e tênis cano longo, parecia incomodado com tudo. Até mesmo com o ar que respirava.
Apaixonado pelo músico, voltei para a redação somente para observá-lo. Sentadinho, divulgou seu show.
Os jornalistas estavam tão “enrolados” com as diversas pautas, que nem o deram muita bola. Eu, repórter recém formado, achava tudo o máximo.
Ainda mais porque, dois anos antes, quando estudava na UFES, assisti a show do Lobão no Álvares, no qual chamou Cazuza ao palco, que fez apresentação no dia anterior, com público mínimo (que também conferi).
Reza a lenda que veteranos do curso de Comunicação entrevistaram o Lobão no camarim e cheiraram, às escondidas, as roupas íntimas da sua prima, namorada na época, a estonteante Daniele Daumerie (que morreu em 2014, aos 46 anos, de AVC).
Pois bem, voltando à redação. Lobão foi embora. Na ocasião, vivia no epicentro das muitas prisões que ocorreram de 1986 a 1992 por porte de drogas, mas também, convenhamos, por certa soberba.
Tantos anos depois, a impressão que fica é que Lobão e boa parte dos roqueiros das décadas de 1980 e 1990 foram coniventes com a máquina da indústria cultural que tritura, com força, até a alma.
Se deixaram ser usados e se ferraram. E se expuseram aos exageros e, evidentemente, às mentes tresloucadas.
Lembro de gente da minha sala na UFES alegando que Lobão vivia preso em celas imundas e cheia de ratos para “se promover”.
Percebo também que boa parte dos artistas, celebridades e atletas achava (assim como ocorre até hoje) que fama e dinheiro são passaportes que os autorizam a não ter limites. Bajulados, pensam que podem tudo.
E, não sejamos hipócritas, com substâncias químicas e álcool à disposição observam, impassíveis, seus barcos navegarem sem rumos e a favor de qualquer vento.
Mas, o fato é que os discos do Lobão eram fantásticos. Repletos de porradas secas nas letras contra o sistema, mas também de amor desesperado. Falava abissalmente ao coração dos jovens que precisavam se expressar.
Fico triste que atualmente parte das pessoas não conheça a obra de Lobão. Somente o personagem. E também desconfio que Lobão foi contestador quando muitos foram, durante a transição da ditadura para a democracia plena.
E que em sua essência, Lobão sempre foi um “bom burguês”, que se embaraçou na “necessidade” de adaptar o próprio discurso.
Amava Lobão em sua fase de “Vida Bandida”. Hoje em dia, ando o flertando de longe, acreditando em dias melhores neste nosso amor já tão combalido.
Então, preciso te falar: “Quando retomar sua pegada artística, Velho Lobo, “Me Chama”.
Cuide-se e acredite: “Nem sempre se vê, lágrimas no escuro”.
Gostaria de te abraçar e de te falar no ouvido: “Não quero mais Revanche”.