Uma das maiores dores que tive no futebol foi a perda do Carioca de 1995 para o Fluminense com o gol de barriga do Renato Gaúcho.
Sem TV por assinatura, ouvi o jogo pela rádio, sozinho, na casa da minha namorada, em Coqueiral de Itaparica, Vila Velha.
Ela cantava no Coral de A Gazeta, onde eu também trabalhava, como repórter esportivo, e foi ensaiar em pleno domingo.
Quando chegou, me viu triste e perguntou: “O Flamengo perdeu, né?”. Respondi balançando a cabeça duas vezes para baixo e para cima. Foi o suficiente.
No outro dia tentei ser invisível e deu errado. Sofri para caramba na redação, nas mãos da já muito atuante “Torcida Arco Iris”, a que reúne cores múltiplas clubistas contra o Mengão.
Mas, faz parte do jogo e dei risada, já que não tinha outro jeito.
Campeão carioca, o Fluminense pousou no Estado para jogar contra o Vitória, da Bahia, no returno do Brasileirão.
Na época, os clubes eram divididos em chaves e o Fluminense havia sido campeão da sua, na primeira fase, garantindo, portanto, conforme regulamento, vaga nas quartas-de-final.
O time tinha sistema defensivo muito bom, o que assegurava êxito nos gramados. Mas o clube administrava dívidas e, por isso, atuava em vários Estados visando a aumentar a receita.
Ao desembarcar no Estado, poucos procuraram o técnico Joel Santana. O foco estava no Renato Gaúcho, o novo “Rei do Rio”.
No segundo dia, contudo, Joel acabou “roubando a cena” involuntariamente.
Foi visitar tia que comandava orfanato em Cariacica.
“Ela deveria inspirar estes políticos que só pensam neles. Serve de exemplo para muita gente que acredita na honestidade e no amor ao próximo. A sua dedicação só nos enche de orgulho e motivação para seguir em frente”, destacou na entrevista exclusiva que orgulhosamente fiz.
Depois de uma hora encontramos o Joel Santana no Convento da Penha, em Vila Velha. Lá de cima, ele destacou a falta de valorização do turismo.
“Já estive em muitos lugares do mundo e em poucos há tantas belezas como no Brasil, tanto naturais quanto arquitetônicas. Pena que os próprios brasileiros não conhecem e nem valorizam”, disse.
Ele tem razão. Foi minha segunda visita ao Convento da Penha, a primeira ocorreu quando fui batizado, com alguns meses de vida.
Vale destacar que naquela época o contato dos repórteres com atletas e comissão técnica era direto, com raras restrições.
No sábado, pela manhã, o Fluminense treinou no Kleber Andrade. Então fiquei próximo ao gramado observando o Joel Santana em ação. Ele é um “paizão”, mas que cobra o tempo todo.
A linguagem que usa é deliciosa aos ouvidos. Pelo menos aos meus.
“Ronald (lateral direito) ajuda lá seus companheiros a carregar a trave. Você mudou muito, viu. Vamos baixar esta bola. Tem um banquinho bem ali te esperando”.
“Wellerson (goleiro), se tu vais com este braço mole na bola durante o jogo nós vamos tomar um monte de gol, caramba. Você está sentindo alguma coisa? Fala aqui para o papai”.
Os jogadores, já acostumados com o Joel, sorriam com tranquilidade. Confiavam nele.
Com o tempo, o sol capixaba começou a castigar e a galera diminuiu o ritmo. Joel, então, arriscou.
“Que treino fraco. Já estão pensando naquele bifinho de filé no almoço né? Se continuar assim, nós vamos é comer músculo no Brasileiro. Vocês querem isso, cacete?”, indagou e a galera intensificou o ritmo.
Acabou o treino, fui lá agradecer e tentar apertar a mão do Joel Santana. Afinal, estive mais com ele do que comigo mesmo nas últimas 48 horas. Ele me olhou e arriscou. “Você tem cara de flamenguista, negão”.
Eu olhei assustado e ele nem me deu direito à recomposição. “Não disse: este papo seu está molinho demais. Se fosse tricolor já estaria me cobrando”. É que no returno do Brasileirão, já classificado para a fase seguinte, o Flu relaxou um pouco.
Sorri sem graça e fui embora. Escrevi a matéria e subi a serra para prestigiar a minha mulher cantando no coral de A Gazeta, em Domingos Martins. Ainda doía o gol de barriga do Renato Gaúcho, que completou recentemente 25 anos.
No outro dia, o Fluminense venceu o Vitória (BA) por 2 a 1. Marcaram para o Fluminense: Gaúcho e Anderson. Entre os dois gols, Elias estufou a rede para o Vitória.
Devo confessar que não torci para o Vitória (BA) e nem pelo Fluminense (RJ). Mas por Papai Joel, o carisma em essência máxima, torci sim.