24/04/2018 às 07h43min - Atualizada em 24/04/2018 às 07h43min

Pistoleiros que viraram lenda no Vale do Rio Doce

Cidade ficou dividida por 50 anos cercada pelo crime

- Nilo Tardin
Quanto valia uma vida no tempo da colonização do Vale do Rio Doce na fronteira do Espírito Santo com Minas Gerais? “Nada” dispara um fazendeiro que viveu e lutou contra o domínio dos coronéis, pistoleiros e valentões, homens que impunham o terror pela força das armas na região de Baixo Guandu, Colatina, Afonso Cláudio, Itarana, Itaguaçu e na vizinha cidade mineira de Aimorés.
 
O rastro de sangue, traições e cobiça pelas férteis terras do Rio Doce deixou marcas profundas na formação política e social desta vasta área até 1935 um vasto sertão. Segundo o fazendeiro, de 74 anos, os coronéis, jagunços e matadores profissionais mandaram nesta região por quase 50 anos até o fim desta era com a morte do lendário Major Orlando Cavalcante em 1967 fuzilado a balas envenenadas dentro de um bar em Nova Almeida, na Serra.
 
“Quando era estudante, colegas meus iam para aula com garruchas na cintura. A conversa nas ruas era de quem ia matar ou morrer”, disse o fazendeiro que exigiu ter a identidade preservada. Segundo relata, nos anos de 1950, 60 e 70 os pistoleiros mais temidos eram protegidos dos coronéis. “Baixo Guandu e Aimorés eram sede do chamado Sindicato do Crime dominado por homens perigosos influentes nos centros de poder como o tenente José Scárdua, Antônio Pinto e João Pinto, Neném Maria, os irmãos Reginaldo e Renato Paiva. Soquim em Pancas e o Coronel Bimbim, em Aimorés com ação no Espírito Santo.
 
Um racha no Sindicato do Crime formou duas correntes de sangue que passaram a se enfrentar provocando centenas de mortes que chamou a atenção dos grandes jornais de circulação nacional.  Segundo destaca o fazendeiro, as causas das mortes eram bem definidas, a ambição por terras e dinheiro. “Naquela época as menores questões eram resolvidas a bala”, disse.
 
Durante 50 anos a cidade de Baixo Guandu ficou divida pela ação dos pistoleiros. A reação veio com criação de um grupo de fazendeiros acossados pelo crime organizado infiltrado nos poderes públicos. Uma nova luta começou a ser travada entre fazendeiros e pistoleiros e as mortes se sucediam de ambos os lados. 
 
 “A maioria nem inquérito tinha”, disse o fazendeiro que ajudou a liderar o grupo de justiceiros dispostos a eliminar o banditismo do centro-oeste capixaba.  Conforme relata, os matadores e jagunços eram homens sem escrúpulos que invadiam pequenas propriedade rurais e tomavam a força porcos, galinhas, perus e mantimentos dos lavradores para alimentar a tropa de malfeitores.  A tocaia que resultou na morte do fazendeiro Antônio Pinto ainda é lembrada com clareza pelo fazendeiro misterioso. 
 
“A morte dele foi por vingança. Os pistoleiros sabiam que sempre iam apartar o gado logo de manhã na sua fazenda na Queixada, em Baixo Guandu. Um deles armado com uma espingarda chumbeira carregada pela boca ficou escondido debaixo de uma moita de cipó. Assim que Antônio Pinto passou, apertou o gatilho de pertinho no seu peito. O estrago foi grande, chegou a ir para o hospital, mas não resistiu”, relatou.  
 
Daí para frente o poder das armas voltou a reinar em Baixo Guandu e imediações. Conforme registros de jornais e inquéritos policiais arquivados, a cortina dessa época de perversidades se fecha com a execução do tenente José Scárdua, em Vitória no ano de 1973. 
 
Segundo recortes de jornais da época, o temido pistoleiro José Scárdua (foto) foi morto a tiros dentro de uma barbearia na Vila Rubim por um pistoleiro disfarçado de mendigo que entrou no estabelecimento lotado com um saco na mão e dentro dele um revólver 38 engatilhado. Chegou perto de Scárdua como se fosse pedir esmolas, este lhe deu as costas e o pistoleiro disparou um certeiro tiro na nuca. Dizem que ele ainda tentou sacar o inseparável revólver da cintura, mas tombou morto.
 
Mortes eram definidas por três barras
 
A morte do fazendeiro Antônio Pinto em 1971 quebrou um acordo intermediado entre os integrantes do chamado Sindicato do Crime dois anos antes pelo então deputado federal Dirceu Cardoso e o senador Raul Giuberti. 
 
Uma nova onda de terror e perversidade começou novamente se espalhar pela região, lembra o dentista Ricardo Cipriano Calvão, 53 anos já falecido. Ele era sobrinho-neto do temido Secundino Cipriano da Silva, o coronel Bimbim que cresceu ouvindo histórias de crimes a luz do lampião de querosene ao pé do fogão de lenha.
 
“Dizem os mais velhos que nessa época se matava por três barras. Barra de Ouro, Barra de Saia e Barra de Córrego”, disse Ricardo detalhado que o ouro fazia alusão ao dinheiro, saia às questões passionais envolvendo mulheres e córrego a briga por divisas de terras.
 
O assassinato do pistoleiro Reginaldo Paiva de dia em plena praça de Baixo Guandu ajudou a ressuscitar o ódio entre as facções rivais, diz Ricardo. O lendário episódio conhecido como “Captura Branca”, marcou para sempre a memória de Ricardo Calvão. Segundo ele, o coronel Bimbim e seus jagunços foram convocados pelo ex-deputado estadual Sebastião Cipriano Nascimento, o Totó para fazer uma ‘limpa’ na região de Afonso Cláudio e Baixo Guandu infestada por bandoleiros e ladrões de cavalo. “Sabe-se que em seis meses mais de duzentas pessoas foram mortas”, contou Calvão.
 

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