07/12/2021 às 10h23min - Atualizada em 07/12/2021 às 10h23min

​O silêncio e a subserviência

Os maiores parceiros da corrupção

Filosofia na Veia
Foto: Ilustração Web.


Dando continuidade ao comentário da semana passada retorno à Michel Foucault em sua penetração no universo do cárcere, quando descortinou toda a insuficiência das leis e regulamentações que chegaram com os ventos da modernidade, entendeu que toda a modernização da visão de encarceramento, que a partir dali deixava de ser punição e vingança para se tornar um processo de reeducação dos transviados da moral social, se perde no silenciamento, protegido pelas quatro paredes do cárcere.

Essa “liberdade”, de adaptar as práticas à legislação, distancia cada vez mais o mundo legal do mundo real, ou seja, corrompe o funcionamento estabelecendo uma “norma”clandestina, que substitui a lei, sem revelar suas inconsistências, se for o caso, ao legislador, em nosso caso um poder da República.

Isso traz um grande prejuízo à sociedade uma vez que estabelece uma prática regulada, à revelia daquela que foi exaustivamente pensada, discutida, avaliada, negociada e por fim aprovada como ideal, possível ou devida.

O serviço público executivo, coordenado pelos governos, deveria ser somente um instrumento de articulação da burocracia no Estado, mas as pessoas que o compõem, desde os autos escalões até aqueles mais próximos ao chão do mundo,invariavelmente “estabelecem” rotinas, vinculadas às suas interpretações das leis e da forma de funcionamento da máquina pública.

Essas rotinas perduram e se tornam heranças que passam de servidor a servidor, muitas vezes por um comportamento automatizado.

Ao final da década de 1980, no florescimento da democracia, logo após a constituinte, participei de uma administração pública em que o chefe de governo estabeleceu um prêmio aos servidores que derrubassem todo “não pode” estabelecido. A experiência foi fantástica, muitas dessas negativas faziam parte de uma herança recebida de servidores mais antigos e praticadas por todos, sem uma verificação de seus valores, inclusive legais.

Esses ajeitamentos ocorrem, comumente na sociedade e no serviço público,contudo, no cárcere, chega a tomar sentido de selvageria humana, uma vez que se trata da vida de pessoas que estão subjugadas ao Estado, mas que percebem suas vidas, efetivamente, nas mãos de outras pessoas, essas outras se sentem soberanas em suas atitudes,e estão sempre protegidas  “no silêncio das quatro paredes” citado por Foucault. 

Essa postura, que resisto a enxergar como cultural, traz um enorme prejuízo para toda a sociedade, por que todo o avanço que o conhecimento e acúmulo de discussão - nos fóruns de pessoas voltadas ao entendimento das questões concernentes ao trato público - se perde na prática do chão do mundo, passamos a viver duas realidades, uma legal e outra real, como se não houvesse conflito e assim, impossibilitando tanto a adequação da legislação, se necessária, quanto sua efetiva aplicação, se apropriada.

Também não posso deixar de ressaltar a deterioração da função educativa do Estado com seu cidadão e, fundamentalmente, com aquele que foi encarcerado por agir em desacordo com a lei. Afinal, se o Estado, por meio de seus representantes, descumpre a lei, transparece a elecomo corrupção e hipocrisia, o Estado como instituição,lhe cobrar o cumprimento.

Problemas dessa magnitude, envolvendo vidas, definindo subjetividades, estabelecendo ilhas de compreensão,precisam ser erradicadas de nossa cultura para crescermos enquanto nação.

Por fim deve ser encarado como corrupção do Estado pelo indivíduo, toda vez que este, na função pública, alterar a aplicação da lei e cabe a toda a sociedade fiscalizar intransigentemente a corrupção.
 
 

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