15/04/2024 às 18h10min - Atualizada em 15/04/2024 às 18h10min

​O Senhor da América: A Conquista de Novas Fronteiras

- Nilo Tardin
DDCNews
Colatina Naif. Ilustração


Qual motivo levaria um casal de religiosos norte-americanos a deixar para trás o país onde nasceram e foram criados, ao se encafuar em meio ao desmate das selvas do norte capixaba?

O pêndulo do relógio de parede no fundo da imensa sala de chegada, ladeada por monumentais escadarias de cinema, avançava para martelar as seis badaladas da manhã.

Logo o pátio estaria vivo. Aquela radiante alegria juvenil, penetraria fundo nas imensas paredes acinzentadas do Instituto Rural Evangélico (IRE), em Colatina, noroeste do Espírito Santo.

Os olhos de mister James William Goodwin ficaram marejados de afeição, assim que notou a majestade da construção assobradada. Sempre ao seu lado, dona Jo Ann tocou levemente sua mão e seu rosto. Assim como fosse enxugar a pequena lágrima. Lembrou-lhe, a tempo, que na manhã seguinte viria as primeiras emoções daquele significativo dia do ano de 1958.

Sentiram que valera a pena cruzar o mar inquieto. Aquela era solução. Seria a resposta que buscavam para ensinar os princípios da retidão, revelados há milênios pelas escrituras.

Defronte ao colégio, o véu de uma cascata cristalina esgueirava-se cautelosa para o Córrego das Piabas. O vento frio que soprava da mata fechada, purificava os pulmões dos jovens missionários evangélicos. Era seu novo lar e novo idioma.

Algo sublime emanava dos cafezais, brejos e florestas. O coaxar dos sapos, zunir dos besouros, o ronco do bugio, canto dos pássaros e o clap-clap das asas das lavadeiras fazia da região um universo de seres encantados. 

  Os Anos Dourados explodiam no Brasil. Fortaleceu  a indústria e firmou o meio urbano sem prestar atenção aos danos ambientais. A sociedade de massa se consolidava com a difusão dos meios de comunicação no país.  

O município de Colatina, embolsara o troféu de maior produtor de café do mundo. A bebida escura florescia aos borbotões nas  colinas do distrito de Itapina.

Mantidas pela Igreja Metodista do Brasil, as amplas e arejadas salas de aula do Instituto Rural Evangélico acomodavam 400 alunos. A parceria com The General Board of Global Ministeries dos EUA, garantia educação aos filhos dos metodistas brasileiros.

Ao lado do gigantesco prédio de estilo eclético, funcionava o internato masculino e feminino. IRE ficou ativo entre os anos de 1950 e 1970.  A grandeza do passado ficou no abandono. Aos poucos o território selvagem ia sendo desvendado.

Mister James, como meu pai Paulo Tardin o tratava-, nasceu em Birmingham, no estado do Alabama, sul dos EUA. A cidade natal de James e Jo Ann foi palco de confrontos na luta por direitos civis de negros e negras na década de 60. Atentados terroristas promovido por brancos, violência policial e prisão de Martin Luther King, contextualiza James William Goodwin Júnior, filho do casal.

Havia ternura nos olhos dos jovens missionários americanos em começar uma nova jornada. Nasceram na pequena Oak Grove, comunidade rural perto de Birminghan. James em 22 de maio de 1929 e Jo Ann Mac Ferrin a 30 de novembro de 1931.
Acreditavam na educação como caminho ao desenvolvimento comunitário e pessoal.

Ambos se conheceram na faculdade, quando começaram a namorar. A união gerou cinco filhos, dois homens: o jornalista Richard Winston, o Rick, professor James Júnior. Três mulheres: Jan lee, da área empresarial, e as professoras Célia Lynn e Karen Lissa.  

“Meu pai era pastor em tempo integral. Fazia consertos e reparos gerais em casa e na igreja. Minha mãe era educadora metodistas. Em algumas ocasiões lecionou inglês. Também cuidava do serviço de escritório e da casa”, frisou James William Jr.

O colorido das folhas arroxeadas das sapucaias, explodiam na copa das árvores, outros troncos grossos coma dela, davam magnitude a mata. Um recado de boas-vindas aos missionários do norte do planeta.

Chegaram a Itapina em 1958 até 1962. Marcaram vidas e fizeram história coletiva colatinense. A ida ao centro da cidade de Colatina era uma festa. A rapaziada lotava o ônibus do IRE. Na volta, a parada obrigatória era o Novo Bar, em São Silvano. Variado estabelecimento de quitutes e quitandas do meu pai Paulo e minha mãe Nilma. É aqui eu nossas memórias se cruzam.

Mister James mandava abrir as portas e servir o lanche reforçado. A vidraça do longo balcão laqueado, estimulava o apetite da gurizada barulhenta. A faca serrilhada não parava de cortar e passar manteiga nos pães cheios de salame fresco, fatiado na hora.

No sábado de manhã, os empregados se viravam para não deixar ninguém sem atender. Seu Paulo anotava tudo numa longa folha de papel de embrulho, retirada da maior bobina do estaleiro.

A variedade de produtos caseiros  feitos no fogão e forno de lenha enchia o ar de aromas e sabores. Ia longe. Tudo ao encargo de dona Nilma, Nete, tia Sinhana, Naná e vovó Dila nas suas infalíveis receitas seculares da bisavó Maria. No acerto de contas, mister James enfiava a mão no bolso fundo da calça larga, retirava o pecuniário referente a soma e pagava a conta sorridente ao seu Paulo. A soma feita no bico no lápis sequer era conferida.
Tarefa cumprida. A cantoria de vozes celestiais das crianças e jovens purificava de ponta a  ponta a poeirenta Silvio Avidos.

Os tabuleiros do balcão encantado no Novo Bar ficavam vazias. As mercadorias seriam renovas, algumas com fila de espera no dia seguinte. O sonho frito com recheio de goiabada e rolado no açúcar refinado era uma das quitandas, mais vendidas e apreciadas. Os pedaços de queijadinha nem esfriavam no tabuleiro. Pãozinho de trança, mironga, biscoito de araruta, refrescos geladinhos de laranja, abacaxi e caju, salada de frutas na taça de vidro quadriculado e creme amarelinho no copo americano com ameixa seca.

A Orelha de Baiano era uma bolacha  enorme redonda e grossa cujo nome engraçado vendia aos montes. Uma baita receita de ingredientes secretos. Matava a fome de qualquer um,  acompanhado de um copo duplo de vitamina de abacate com dois biscoitos maisena.  Nome divertido – Orelha de Baiano -, para época, poderia soar torpe hoje em dia para descrever a iguaria.

Mister James e Seu Paulo Tardin ficaram amigos. Os efusivos apertos de mãos nos refrescantes verões de Nova Almeida davam a prova viva disso. Convieram durante a Era de Ouro do extrativismo exaustivo da madeira e da ocupação  das colinas pelos cafezais.

Dentro do IRE o  apito estridente e ritmado do trem da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), podia ser ouvido do lado do Rio Doce. Enfim? Quem era mister James ? O filho e também pastor metodista James William Goodwin Júnior revela:

“Um homem de profunda fé, que amava o Brasil e o povo brasileiro, que tentou melhorar a vida de muita gente, que acreditava na educação como caminho para o desenvolvimento pessoal e coletivo, que investia dinheiro e tempo nas pessoas, que errou muito e acertou ainda mais, que mudou de opinião sobre algumas coisas ao longo da vida, e que era, acima de tudo, uma pessoa preocupada com o próximo.

Como ele gostava de dizer, ninguém pega na mão de Deus se não pegar na mão do próximo. E adorava mostrar um quadro que tinha, de Jesus gargalhando. Ele dizia: Este é o meu Cristo”.

Hora de partir daquela imensidão de  muralhas cristãs. O ritmo do coração acelerava. O mundo cabia numa colher de sopa do jantar e um novo endereço na América do Sul os chamava.  As lembranças familiares  ligadas a cultura estadunidenses como Thanksgiving Day (Dia de Ação de Graças) e o Natal afloravam na alma.

“Nossa família sempre fez muita questão de não ser diferente nem de viver como se estivéssemos nos EUA. Considerando que mudávamos muito, devido à itinerância pastoral, era momento de reviver histórias e reforçar laços”, afirma James Jr. Natal, uma época sempre muito marcante, pois montávamos o presépio (o mesmo desde o primeiro natal com meu irmão mais velho) e outras decorações ligadas à história familiar.
 
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