25/09/2020 às 14h17min - Atualizada em 25/09/2020 às 14h17min

A morte do major Orlando desencadeou uma série de execuções

Major Orlando foi executado com 15 tiros de revólveres calibres 38 dentro do Bar Carlos Bezerra

- Paulo César Dutra (Cesinha)
Major Orlando Cavalcante (destaque) foi executado a tiros em Nova Almeida (foto), na Serra em 1967. Foto: Montagem Ilustrativa.
 
Ato I - Há 53 anos morria o major Orlando um dos mitos do Sindicato do Crime no Espírito Santo que dividia uma guerra de poder com o tenente Scardua. Os pistoleiros das facções atuavam até dentro dos quartéis da Polícia Militar.  
 
Na manhã do dia 26 de fevereiro de 1967, o major Orlando Cavalcanti da Silva, que tinha 36 anos de idade, foi executado por volta das 11 horas, com 15 tiros de revólveres calibres 38, dentro do bar do “Carlos Bezerra”, que ficava na Avenida Colatinense, esquina da Rua Paulo Samorini, no centro do distrito de Nova Almeida, no município da Serra, no Estado do Espírito Santo, no Brasil.

A partir dessa data foram desencadeadas séries de execuções no Estado e em Minas Gerais, todas ligadas à morte do major Orlando.
 
O major foi executado pelos pistoleiros Fausto Ferreira Santos e Antônio Gregório da Silva, vulgo "Toninho", que tiveram a cobertura dos pistoleiros Alvaristo Vicente e Josélio Barros Carneiro.

Este último era um dos empreiteiros do crime. Segundo foi apurado, Josélio e o pai dele, tendo desconfianças passadas "sobre o major Orlando", receberam incumbência do tenente PM José Scárdua e de Noel Nogueira para matá-lo.
 
Josélio estava no Rio de Janeiro e lá recebeu a tarefa para arquitetar a execução. Ele voltou ao Espírito Santo e com parte do plano pronto, procurou por telegrama, o sargento da polícia de Minas Gerais, José Berigolli para auxiliá-lo na fuga.

Em Baixo Guandu incumbiu o pistoleiro Alvaristo Vicente, que já trabalhava para a família Barros Carneiro, procurar dois executores do crime.

Alvaristo contratou Fausto e “Toninho”, ambos com fama na cidade mineira de Governador Valadares, em Minas Gerais.
 
Todos os minutos foram contados, todas as hipóteses aventadas. Entraram no plano  o contador Luiz Gonzaga Madalon, de Colatina (ES) e o coronel PMES Jadir Rezende, de Vitória.  

Os recrutados Arlindo de Almeida, o "Arlindo Pedestre", Décio Gonçalves e Alaor Braga  juntamente com Madalon, faziam o que o coronel Tavares chamou no relatório de "parte de ligações e comunicações" do grupo.
 
Madalon continuou recrutando mais gente, como o pistoleiro Ailton Santos, vulgo "Ailton Gaguinho" e o soldado Francisco Macário para o plano. Macário era a pessoa no Quartel da PM que mais conhecia Orlando, como a palma da sua mão e seria fundamental no plano.

O coronel Jadir por sua vez, indicou a Josélio os PMs Algentil Nascimento e Joaquim Gonçalves, pertencentes ao destacamento de Nova Almeida,  que conheciam bem o major que costumava passar parte do verão naquele balneário. Depois foram contratados em Nova Almeida o farmacêutico Olímpio Andrade e um pescador, identificado apenas como Edu, que desapareceu após a execução.
 
A rede estava formada. O pistoleiro Fausto, a quem caberia a execução, foi enviado para Vitória, para hospedar-se no "Dormitório Ipanema". No dia seguinte foi apresentado ao soldado Macário, que teria a missão de apontar para ele, quem era o major Orlando.
 
Durante dias Macário e Fausto andaram pelas ruas de Vitória em busca do oficial para o pistoleiro conhecê-lo. Nas idas e vindas nas ruas da Capital, os dois aproveitaram para estudar as saídas da cidade. A fuga já estava preparada, porém o plano, de Fausto conhecer o major Orlando, após várias tentativas feitas em Vitória, não teve êxito.
 
No dia 25 de fevereiro de 1967, Josélio chegou a Vitória,  com Toninho, Alvaristo e Algentil, para conversar com Fausto. Eles programaram para no dia seguinte seguir para Nova Almeida para executar o crime, porque o major se encontrava em um dos apartamentos no prédio do bar do “Carlos Bezerra”.
 
Este seria o inadiável dia do crime. Às 11 horas chegou o major Orlando no local, dentro do “Bar do Carlos Bezerra” onde já o esperavam Fausto e Toninho, sem que ele notasse. Ao encostar-se ao balcão para conversar com Carlos Bezerra que estava no caixa do bar, Orlando foi surpreendido com 15 tiros ao todo, certeiros e irremediáveis. O major tentou escapar, sem sucesso.  Josélio e Alvaristo deram fuga aos pistoleiros.
 
De acordo com o relatório do coronel João Tavares da Silva, que presidiu o inquérito, Josélio, após o crime, usando um Jeep azul de sua propriedade, levou os assassinos para a fazenda sua e de seu pai, José Barros Carneiro, em Baixo Guandu, chegando lá às 15 horas do mesmo dia. Ali trocaram de carro, passando a usar outro Jeep da fazenda, e foram os quatro para a cidade de Itabira, em Minas Gerais. Lá passaram para um Aero Willys, tipo Itamarati, conduzido pelo sargento José Berigolli e pelo soldado Ruy Teixeira Franco, ambos da Polícia Militar de Minas Gerais – PMMG, que faziam parte do plano. De lá seguiram para Belo Horizonte, onde foram recebidos por Noé ou Noel Nogueira, outro mandante do crime.
 
O chefe de Polícia na época, José Dias Lopes, irmão do governador Cristiano Dias Lopes Filho (1967-1971), fez uma investida contra o banditismo e o "Sindicato do Crime" que, segundo contava, tinha até folha de pagamento na qual estavam advogados da capital para defenderem pistoleiros.
 
Como o grupo  estava  dividido, Scardua tinha os apoios da família Barros Carneiro e do Secundino Cypriano, o “coronel Bimbim”.  Pelo outro lado, o major Orlando tinha apoio dos irmãos  Reginaldo, Maneco e Renato Paiva e dos fazendeiros e irmãos Antônio e João Pinto.Os cinco decidiram que a morte do major não podia ficar impune.
 
Por conta desse crime foram presos o tenente José Scárdua, o coronel Jadir Rezende, e os pistoleiros Josélio, Toninho, Fausto e Alvaristo. No presídio dentro do quartel de Maruípe, o tenente José Scárdua sofreu um atentado. O bando dos irmãos Paiva usou um dos seus melhores pistoleiros, o soldado PM João da Luz que foi introduzido no quartel como garçom, para servir no rancho dos oficiais e ser escalado para levar o café da noite para o tenente José Scárdua. João da Luz chegou com a bandeja de café, na hora em que o tenente a pegou nas mãos, um revólver surgiu por debaixo dela na mão do soldado, disparando contra o oficial, mas errou e foi preso.
 
Interrogado, João da Luz confessou tudo, inclusive delatando o nome de quem havia determinado a execução. O grupo do Scárdua devolveu o atentado executando o fazendeiro Reginaldo Paiva, em Baixo Guandu. As mortes de Orlando e Reginaldo e o atentado a Scárdua levou a classe política, à qual eles sempre estiveram ligados, a intervir, buscando encontrar uma trégua entre os dois grupos.
 
A reunião foi coordenada pelo senador Raul Giuberti e o deputado federal Dirceu Cardoso. O encontro contou com as presenças do coronel Aristides Pereira Martins, representando o tenente José Scárdua, Maneco e Renato Paiva (irmãos de Reginaldo), Antônio Pinto, pelo outro grupo, mais os fazendeiros Odilon Milagre, Carlyle Passos e Pedro Ribeiro, o comerciante José Ceglias Barbosa e o advogado José Andrade (em cujo escritório se deu a reunião).
 
Durante dois anos a paz reinou por completo. Neste período o pistoleiro PM João da Luz, que não conseguiu matar o Scardua foi cruelmente torturado e executado pelo tenente. Dias depois o tenente José Scárdua saiu do Estado e morou no Rio de Janeiro e em São Paulo. Josélio de Barros foi cuidar de uma fazenda no Estado do Pará. Mas em 1971, em Baixo Guandu a paz foi quebrada com o assassinato de Antônio Pinto, tido como um dos mandantes dos atentados ao tenente José Scárdua. Mais uma vez a intervenção política colocou paz novamente.
 
Scárdua retornou ao Estado e se mudou para a Rua São João, na Vila Rubim. E  costumava freqüentar a mesma barbearia nas proximidades de sua casa. E no dia 3 de fevereiro de 1973, um sábado, o tenente foi assassinado pelo sobrinho de Antonio Pinto, o pistoleiro José Pinto da Rosa, que se disfarçou de mendigo, para se aproximar da barbearia para pedir esmola. Scárdua negou a esmola, deu as costas ao “mendigo” e foi executado. Josélio morreu em São Paulo após uma cirurgia do coração.
 
Ato II - Quem foi Orlando Cavalcanti na versão de uma filha
 
Por: Rossana Mattos * (rossanamattos@terra.com.br)
 
Ao morrer, meu pai Orlando Cavalcanti da Silva, tinha 36 anos e deixou 5 filhos, com idades que variavam de 1 a 10 anos. A época eu tinha 8 anos (faria nove em abril).
  
Filho de uma feirante da Vila Rubim, alagoana e descendente de índios, Papai nasceu em Vitória, de uma relação com um homem casado, que nunca o reconheceu como filho, exceto quando era preso por embriaguez. Aí era o pai do Major Orlando. Ou seja, para aquela época, ele era literalmente o “Filho da Puta” o que o marcou para sempre. Entrou para a Polícia Militar por falta de opção, pois apesar de bacharel em Direito, não existia emprego. Então sua única saída foi a Polícia.
 
Apesar de inteligente, lindo, doce e gentil, provavelmente em decorrência do fato de ser filho ilegítimo, sua autoestima era muito baixa. Talvez daí a necessidade de se mostrar como invencível, e de se expor sem reservas. Claro que não sou ingênua a ponto de desconsiderar que tomou medidas e praticou ações que repudio. Porém, isso não pode ser analisado sem considerarmos o momento político em que meu pai atuou como oficial da Polícia Militar: coronelismo e banditismo, principalmente entre aqueles que exerciam o poder, conforme citado anteriormente. Era matar ou morrer.
 
Mas não é sobre esse Orlando que quero falar agora, e sim daquele que ajudou muitas pessoas, que até hoje ao saberem que sou sua filha, expressam sua gratidão. Do homem alegre e brincalhão.
 
Por fim, gostaria de reproduzir uma fala de uma pessoa que conversando comigo citou um psiquiatra americano que trabalha com crianças. Ao tentar definir o que seria uma boa mãe, o conceito mais próximo é o de que uma boa mãe pode ser identificada na medida em que seus filhos se sentem amados por ela. Nesse sentido, meu pai foi o melhor pai do mundo. Sei que seu amor por mim era irrestrito e incondicional. Sua doçura e sensibilidade eram até atípicas para um pai daquela época. Por tudo isso, tenho orgulho de ser sua filha, pois apesar de todas as circunstancias, ao seu modo, ele venceu.
 
 (*) Rossana Ferreira da Silva Mattos é Doutora em Sociologia - Mestre em Administração; Professora do Departamento de Administração da UFES; Professora do Mestrado em Gestão Pública da UFES e  Pesquisadora da Escola de Serviço Público de Estado do Espírito Santo – ESESP
 
Ato III - Orlando foi da 1ª Turma de Oficiais formados fora do ES em 1954
 
O major Orlando Cavalcanti da Silva, que tinha 23 anos de idade, fez parte da 1ª turma dos primeiros aspirantes a oficiais da Polícia Militar do Espírito Santo - PMES que se formaram fora do Estado do Espírito Santo, no dia 8 de julho de 1954. O Curso de Formação de Oficiais foi realizado entre os anos de 1952 e 1954 na Escola de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.
 
Os oficiais que se formaram com o major Orlando são os seguintes: Carlos Moacyr Monjardim, Pedro Rangel, João Tavares da Silva, Décio Dias Martins, José Abbade dos Santos, Lízio Carvalho de Araújo (Comandante Geral entre 1983 – 1984) e Carlos Ernesto Nascimento Rosetti. (informações do acervo histórico Cel. RR Gelson Loiola)
 
Ato IV- Fim do Sindicato do Crime ou Crime Organizado Capixaba
 
O Sindicato do Crime ou Crime Organizado Capixaba surgiu nos anos 1950, mais precisamente entre os municípios de Aimorés, em Minas Gerais e Baixo Guandu, no Espírito Santo. Essa facção se manteve nos anos 1960 e, parte dos anos 1970, aterrorizando a região do vale do Rio Doce e o Norte capixaba impondo a lei do gatilho em favor de suas elites rurais. Foi  atribuída ao coronel Bimbim, a idéia da criação do Sindicato.
 
A facção tinha as lideranças do major Orlando Cavalcanti da Silva e do tenente José Scardua. Ela  acabou sendo divida ao meio, por desentendimento dos principais líderes, que ficaram em lados opostos. E até 1973, várias execuções ocorreram na briga pelo poder do Sindicato. As mortes do major Orlando (1967) e a do tenente  Scardua (1973),   serviram de motivo para o fim da facção.
 
Dos homens que fizeram parte do seleto núcleo, que comandou a maior história de violência do solo capixaba e trecho mineiro do vale do Rio Doce, sobrou apenas o fazendeiro João Pinto, de 84 anos, ainda em plena atividade no sul da Bahia. Os que não foram executados a tiros, morreram de morte natural, como o empresário Renato Paiva, o coronel Jádir Rezende, o fazendeiro José Pinto da Rosa, o fazendeiro Josélio Barros Carneiro e o coronel Bimbim.
 
 
 
 

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