18/09/2020 às 17h06min - Atualizada em 18/09/2020 às 17h06min

Os 50 Anos do Festival de Verão de Guarapari, 1º tributo a Woodstock

A ideia partiu de dois jornalistas Rubinho Gomes e Antônio Alaerte

- Paulo César Dutra (Cesinha)
“O vôo de Tony Tornado levou em cana dois dos quatro organizadores do evento Rubinho Gomes e Alaerte dos Santos no 3º dia e eles não puderam assistir ao final do evento. Eu, meu irmão Rafael Pedro Guidoni Dutra e outros colatinenses, estavamos lá...”
O Festival de Verão de Guarapari foi o primeiro tributo a Woodstock realizado em fevereiro de 1971, nas Três Praias, na cidade de Guarapari, no Estado do Espírito Santo, no Brasil.

Ele foi também, um ato político de enfrentamento à Ditadura Militar do general Emilio Garrastazu Médici e do seu representante aqui no Estado, o governador biônico Christiano Dias Lopes Filho.

Em 1969 a cultura mundial se voltou para o Festival de Woodstock, em Nova York, nos Estados Unidos. A cultura de paz,  do amor,  da música e da liberdade se espalhou naquele país com o slogan “faça amor, não faça guerra”. No ano seguinte o movimento se repetiu, em Glastonbury, na Inglaterra.

Aqui no Espírito Santo, um grupo de jovens formado por Rubens Manoel  Câmara Gomes (Rubinho Gomes), Gilberto Tristão e Antônio Alaerte dos Santos , entendeu que se os Estados Unidos e a Inglaterra podiam celebrar o amor livre e a vida, por que os brasileiros não podiam?

E foi daí que surgiu a idéia da realização do Festival de Verão de Guarapari, o Guaraparistock, como a versão brasileira de Woodstock, nos dias 11,12, 13 e 14 de fevereiro de 1971.

Segundo Rubens Gomes, as primeiras reuniões da organização do Festival, realizadas no restaurante Peixada do Irmão, de frente para ao canal de Guarapari, contaram com a presença de empresários e jornalistas como Helio Dórea, Rogério Coimbra, Eduardo Curry Carneiro, José Carlos Monjardim Cavancanti e Marien Calixte.

À frente das reuniões estava Rubinho, o Tristão e o Alaerte que era secretário de Turismo de Vitória e colaborador de O Diário com a coluna Acontecências.

“Estava sempre presente e me entusiasmei com a possibilidade de reeditarmos nas Três Praias, em Guarapari, o que havíamos visto no cinema São Luis, o filme Woodstock, em sessões especiais promovidas pelo saudoso empresário Edgar Rocha Filho. E decidimos fazer então o Festival de Verão igual ao festival de Woodstock”, disse Rubens Gomes.

Então esse grupo achou que podia e juntou uma turma para organizar o que viria a ser o primeiro festival de música da América Latina. Sim, da América Latina. “Nós queríamos traçar o perfil da música brasileira na época, principalmente porque os grandes artistas estavam exilados", diz Rubinho.

O grupo conseguiu a promessa de apoio do Estado e da Prefeitura de Guarapari para realizar o evento. Tudo foi organizado e o Festival passou a ser badalado no Estado, no País e no Mundo.

“ Ocorre que por causa das minhas posições políticas contra a ditadura militar, o governador Christiano, que inicialmente havia prometido apoio através do Antonio Alaerte, no final de janeiro de 1971, 15 dias antes do início do festival,  retirou qualquer apoio, assumindo apenas as passagens aéreas que transportaram os artistas”, disse Rubinho.

Mesmo diante da possibilidade de fracasso, o grupo resolveu fazer o festival como forma de desafiar a ditadura, reunindo 50 mil jovens de todo o país (alguns souberam pelas agências de notícias internacionais) e veio gente de tudo quanto é canto, da Suiça à França, Inglaterra e EUA, conforme foi revelado pela organização do evento.

Mesmo com a falta de apoio, o festival contou com as presenças de Milton Nascimento acompanhado do Som Imaginário e Naná Vasconcelos, além dos Novos Baianos, que cantaram todos os quatro dias. O festival teve ainda as apresentações de Chacrinha, Luiz Gonzaga (pai), A Bolha, o Grupo Soma de Bruce Henri, o "Mago" José Celso Martinez Corrêa, Erasmo Carlos, Ângela Maria e Os Mamíferos.

Outra intenção do grupo, com o festival, era projetar nacionalmente os capixabas Aprigio Lyrio e Cristina Esteves (rebatizada Cris Portela) que haviam sido destacados por Luis Carlos Maciel e Betty Faria (jurados do III Capixaba de MPB, vencido por Aprigio com a antológica "Agite Antes de Usar", dele, com parceria de Mario Ruy e Sergio Regis).

Mas o Festival de Guarapari acabou marcado pelo vôo de Tony Tornado (acompanhado pela fantástica banda A Brazuca, de Antonio Adolfo) sobre a platéia quando encerrava a apresentação com seu sucesso BR3, que havia vencido um festival na Globo. Ele caiu sobre uma espectadora, Maria da Graça Capôs, que por pouco não ficou paraplégica, mas acabou curada depois que Tornado custeou seu tratamento médico.

Rubinho Gomes e Alaerte foram detidos por algumas horas no final do terceiro dia e não assistiram ao quarto dia do Festival. Foram destituídos da direção do Festival e impedidos de subir ao palco no último dia, como condições do acordo entre o diretor financeiro  Gilberto Tristão e o prefeito de Guarapari, Benedito Lyra, que assumiu o pagamento dos hotéis, translados, dos artistas  e organizadores, dentre outras coisas mais.

O prefeito assumiu o evento para salvar a imagem do município e o Festival acabou cumprindo o objetivo proposto pelo grupo: mostrar ao mundo que, numa democracia ou numa ditadura sanguinária como a do Brasil, era possível reunir a juventude (mesmo com vários presos e deportados para as divisas do Rio e Minas) em torno de quatro dias de música, paz, amor e alegria.

 “Quero fazer um último registro-homenagem à assessora de imprensa Ivone Kassu, falecida em 2014, responsável por avalizar a contratação de todos os artistas e depois convencê-los a se apresentar por cachês simbólicos. Sem ela, o Festival não teria existido. Mas fomos um marco histórico da resistência cultural contra a ditadura brasileira, e não uma esculhambação sem eira nem beira, como até hoje alguns preferem propagar, sem o menor conhecimento de causa”, disse Rubinho.
 
Festival de Verão de Guarapari Janeiro 1971
 
Este assunto foi publicado recentemente, em 05/12/2019, pelo site Morro do Moreno, como uma “História do ES”, descrito por um dos organizadores do evento, Gilberto Tristão, pessoa que não tive oportunidade ainda de conhecer pessoalmente, a exemplo dos velhos companheiros da imprensa Rubinho Gomes e o saudoso Alaerte. Vou republicar na íntegra este texto do Gilberto, como uma homenagem aos  cavaleiros do apocalipse do Festival de Verão de Guarapari, (Rubinho, Alaerte e Tristão).
 
Por Sérgio Figueira Sarkis   

 Segundo semestre de 1970, exercendo funções de secretário da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo, a Ufes, desenvolvia, paralelamente, atividades de consultor junto à Comissão de Planejamento da instituição
 
 Trabalhávamos na adoção do sistema de créditos, a nova estrutura acadêmica a ser implantada na entidade no ano seguinte. Dentre vários técnicos atuando naquela comissão, destacava-se um grande nome: Gilberto Tristão.

Formado em Direito, era estudioso de assuntos acadêmicos universitários. Requisitado pelo presidente daquele colegiado, Fernando Moraes, veio nos assessorar em assuntos pertinentes aquela nova formatação sendo montada.

Tínhamos uma relação de amizade muito forte, visto ser ele filho de um casal de amigos da minha família há longos tempos. Seus pais eram Dona Cecé e o médico e ex-deputado estadual Custódio Tristão — além de também irmão do fraterno e saudoso companheiro Maurício Bombom.
Quase todos os dias, após o expediente, trocávamos conversas a respeito de vários assuntos relativos ao planejamento desenvolvido, e outros, de cunho pessoal. Num destes papos, Gilberto, bastante entusiasmado, convidou-me a participar de uma empreitada que ele estava prestes a encarar.
Tratava-se de um festival de música a ser realizado em Guarapari, nos moldes do Festival de Woodstock, acontecido em agosto de 1969, num condado do Estado de Nova York, nos Estados Unidos — e que, hoje, pode ser considerado um enorme sucesso dentro de um grande fracasso.

A ideia tinha partido de dois jornalistas, Antônio Alaerte e Rubens Gomes Filho.

Há algum tempo, tentavam vender o projeto a empresários capixabas sem qualquer sucesso. Independentemente de não terem apoio financeiro para o empreendimento, os dois, principalmente, Antônio Alaerte, estavam divulgando o mesmo no Rio de Janeiro.

Faziam reuniões com jornalistas da área, encontrando uma receptividade muito grande. Desejava Gilberto que eu o ajudasse a encontrar um empresário para bancar a coisa toda. A área onde o mesmo aconteceria estava determinada, com o ok do proprietário.

Seria nas Três Praias, local paradisíaco, com topografia perfeita para tanto. Marquei um jantar com Gilberto, no restaurante da Findes, o melhor da cidade, localizado no último pavimento do Edifício Caparaó, atual sede do Banco de Desenvolvimento Econômico do Espírito Santo, o Bandes.
E convidei Nenel Miranda para participar do mesmo, a fim de, juntos, desenvolvermos ideias capazes de nos levar a um final feliz. Estávamos a debater o assunto quando adentrou ao ambiente outro grande amigo nosso.

Empresário do ramo imobiliário, sentou-se conosco e começou a participar da conversa. Tratava-se de Eduardo Curry. Este, vendo o entusiasmo do Gilberto com o empreendimento, não pensou duas vezes: embarcou direto na aventura.

Seria o responsável pela construção do palco para as apresentações dos artistas, terraplanagem da área de localização da plateia, fechamento total do espaço, instalação de água e luz, banheiros, esgoto e camarotes dos artistas. Enfim, todo o necessário a permitir fisicamente aquela realização.

Assumiu um contrato de risco, no qual a remuneração dos seus serviços viria no final, da renda da venda dos ingressos. O festival seria realizado durante quatro dias, de quinta a domingo, no mês de fevereiro de 1971.

A publicidade estava em curso, com todo o apoio da imprensa local e nacional. Eu e Nenel ficamos encarregados da comercialização dos ingressos. E, tão logo ficaram prontos, instalamos vários pontos de vendas em Vitória e Guarapari.

Eduardo pôs mãos à obra, deslocando equipamentos e pessoal para a área. Esta, logo começou a mudar de aspecto com as intervenções. Antônio Alaerte e Rubinho Gomes ativaram a divulgação. A mídia dava amplo apoio, passando a ser notícia de todos os jornais locais e nacionais.
A par destas medidas, começaram a contatar os artistas. Para surpresa nossa, estes aceitavam de pronto os convites, sem exigência de pagamento antecipado. O envolvimento financeiro era enorme.

O local abrigaria mais de 50.000 pessoas, ao custo de Cr$ 600,00 (seiscentos cruzeiros, a moeda da época) cada uma, pelos quatro dias. Isto daria uma receita bruta de aproximadamente Cr$ 30.000.000,00 — sem contar a venda de publicidade e, principalmente, do disco e do filme.

Isto, no de Woodstock, foi a salvação da pátria, porque o evento em si deu um enorme prejuízo. Ao se aproximar a data do acontecimento, vários grupos de hippies começaram a se deslocar para Guarapari, vindos de toda parte do Brasil.

Eles se instalavam na área onde as praias estão localizadas. Era uma beleza de espetáculo. Barracas de camping, redes estendidas nas árvores, rodas de capoeira, música, muita música. No início da semana do festival, começaram a chegar os repórteres dos jornais e revistas nacionais, hospedando-se na rede hoteleira de Guarapari.

Infelizmente, a venda dos ingressos estava muito fraca. Primeiro, porque tinha havido uma debandada total dos turistas mineiros, em função do Governo de Minas Gerais ter suspenso as férias escolares do mês de fevereiro.

Entretanto, acreditávamos que a compra maciça se daria a partir da quinta-feira, início do evento. A parte relativa à amplificação do som ficou a cargo da maior empresa do gênero no País, a Colorson, conhecidíssima em todo o Brasil pela realização de festivais de música para a TV Globo e TV Record.

Estávamos no saguão do Torion Hotel, na noite da quarta-feira, onde ficou também a maioria dos repórteres. E discutíamos sobre a finalização do som, pois o encarregado alegava que, por ordem do chefe, em São Paulo, só ligaria os equipamentos com o pagamento total do preço acertado.
Usando o telefone do hotel, Rubinho Gomes contatou o dono da Colorson.

E esclareceu que ele podia ficar tranquilo, pois o pagamento sairia ao final do evento, oriundo da receita da bilheteria. Mas não havia maneira de demovê-lo daquela posição: "Ou paga ou não ligo."

A pedido do Rubinho, interferi na conversa telefônica, assegurando-lhe que as coisas iriam deslanchar no dia seguinte, início do festival, sendo imprescindível o som estar funcionando. Continuou irredutível: "Ou paga ou não ligo."

Tentativa de cá, tentativa de lá e nada, após mais de uma hora de contato telefônico sem qualquer solução, Antônio Alaerte, até ali afastado daqueles entendimentos, arranca o telefone das mãos de Rubinho e diz:

— Ô seu argentariozinho de merda! Deixa de botar banca e liga logo este som. Afinal, somos empresários de respeito em Vitória. Não vai ser um filho da puta como você que vai empanar nosso festival.

Não é que, após ouvir estas agressões, do outro lado da linha, o empresário pediu para falar com o encarregado e, imediatamente, autorizou a ligação.

Embora tenha comparecido bom número de artistas, tais como Milton Nascimento, Luiz Gonzaga, Tony Tornado — protagonista de episódio marcante —, Ivan Lins (não cantou), Chacrinha e outros menos votados, o festival gerou um tremendo prejuízo financeiro.

Ficamos todos, inclusive eu, Nenel e o "argentariozinho de merda", sem receber qualquer trocado. 

Nota do Autor: Há muito, pretendia escrever alguma coisa da minha memória, levando causos ocorridos comigo ou com outras pessoas que me foram transmitidos de forma agradável e hilariante. Meu dilema era: como fazer? não tinha início, nem meio e, muito menos fim. E, invariavelmente, vinha a preocupação deles perderem o charme quando expostos em texto.

Contados verbalmente, tem sabor diferente, agradando a que os ouve. E escritos? Conseguiria eu dar a entonação necessária, estimulando o leitor a continuar até o fim? Entre dúvidas e certezas, amadureci esta ideia anos. Até que decidi: vamos ver como fica! O resultado é este. Tirei da cabeça, coloquei no papel. Eu revisor deu uma boa arrumada.

Me perdoem aqueles que, envolvidos nos fatos, tenha esquecido de mencionar. E os citados não sintam-se ofendidos ou magoados. Minha intenção nunca foi esta.

Espero que gostem,
 
Sérgio Figueira Sarkis  

 

 
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