Adágio dessa terra
dito qual o povo pensa
dura lição ele encerra:
“O crime não compensa”.
Quase fosse ave-maria
nessa sucinta preleção
nela muito se confia,
mas o dito tem senão.
Erosmar nasceu virado
arriou na contramão
torto, desenquadrado
causou grande aflição.
Ao abrolhar de ré
vir ao mundo, à luz,
foi suor e muita fé
a salvar o avestruz.
A mãe não suportou
em dores sucumbiu
o pai nem acenou
desleal jamais se viu.
Criado pela avó
no tapete do chão
sua babá era o pó
fome de multidão.
Cresceu em demasia
orelhudo e caneludo
no correr do dia a dia
adolesceu com tudo.
Perfez década e meia
sua arte era roubar
assim garantia a ceia
o tão ladino Erosmar.
Fez bando de pequenotes
apenas ele era taludo
mesma idade, muitos dotes
era o avesso de menudo.
Bem feio, fosco e irônico
lacônico era seu traço
no esgar de riso icônico
seu saudar era escasso.
Hábil na arte punguista
ágil atuava sua gangue
furtava extensa lista
nunca golpe de sangue.
O bando granjeou fama
a Quadrilha do “Esquisito”
no Lajedo fez sua cama
lá no Morro era bendito.
Apanhavam rol de carteiras
davam conta ao cacundeiro
ajuntavam-se sem zoeiras
para a partição do dinheiro.
“Esquisito” sempre salvava
o troco dos adoentados
às crianças ele agradava
com balas e bons bocados.
Sua praxe é que documentos
devolvidos fossem ao dono
assombrados por tormentos
tantos até perdiam o sono.
A democracia tinha voltado
o Lajedo vivia em polvorosa
telefone público instalado
promessa de água milagrosa.
No pé do telefone a súcia
aplicava uma tramada finta
citava o dono com minúcia
que pagasse qualquer trinta.
Vinham senhores e madames
para recuperar seus teréns
sancionavam os reclames
pagavam, levavam os bens.
Mas deu-se ocorrência
na lufa-lufa de peixaria
talvez por inexperiência
garoto afanou uma chefia.
A carteira estava obesa
pixotes foram abonados
muito grana com certeza
documentos lá ordenados.
O aliviado era um bicheiro
gordo, careca e ensebado
não fez conta do dinheiro
só não quis dar o trocado.
Nada de trinta nem vinte
mandou logo prevenir
não acolheu o acinte
deu prazo até dormir.
Outonal mês depois
o anoitecer já bem caía
“Esquisito” e a avó, os dois,
aos sinos da ave-maria.
A porta caiu com pontapé
nenhum santo intercedeu
foi ao chão o rosário da fé
o barraco todo estremeceu.
Erosmar foi preso, algemado,
três trabucados meganhas
berravam com feroz brado
o remate de suas manhas.
Tiraram do barraco o “Esquisito”
um policial civil o passo lerdou
pelas frestas muito olhar aflito
foi quando o tiro o derrubou.
Bem na nuca, lá se foi Peter Pan
pagou porque arrojado cresceu
desafiou o Barão desde a manhã
em que os bens não devolveu.
Assim confirmou-se o ditado
Erosmar foi sepultado, amém,
cova rasa, caixão espichado
feito o choro da avó também.
Naquela noite o Barão festejou
foram convidados os policiais
o afortunado bicheiro os regalou
com os mais forrados embornais.
Aqui morre tanta, tanta gente
que a estatística já nem pensa,
que é morrer um adolescente
em crime de farta recompensa?
O crime compensa aos barões
a justiça unha só o miserável
o pobre vive de necas, senões,
até sua audácia é condenável.
Pois bem sabe essa gente amiga
Capitão Gancho sempre venceu,
caso de pandemia tão antiga
o Barão só mata, nunca morreu.
(Adilson Vilaça – 02/07/2020)